Escrito por: B. AMANDE CAVALCANTE
Jardim Botânico, um dos mais agradáveis e bucólicos locais do Rio de Janeiro, onde as árvores, a passarada, a beleza, tudo lembra amor, paz, liberdade, compreensão, harmonia e solidariedade.
Pois bem, naquele bonito pedaço do Rio de Janeiro assistimos, pela televisão, boquiabertos e tristes, a uma brutal e violenta tragédia. Contrastando com a aparente paz, o ódio explodiu dentro de um ônibus que por lá circulava, fazendo a Linha l74.
Analisemos, por itens, o que ocorreu, e que acompanhamos passo a passo:
Sandro Barbosa de Lima egresso de um massacre na Candelária, brotou de um óvulo fecundado por um espermatozoide, como todo mundo; germinou na barriga de uma mãe, que ele disse ter sido assassinada, e foi jogado nas ruas da grande metrópole como centenas, milhares de Sandros, Sergios ou Alexis (crianças que não pediram para nascer) por este Brasil afora, de norte a sul, de leste a oeste, sem esperanças, sem sonhos, sem ao menos entender por que tiveram essa sorte. Nenhuma criança pede para nascer e a ignorância, o analfabetismo faz, de um ato biológico, a infelicidade em forma de ser humano, para uma vida de miséria e de dor;
Sandro, naquele dia fatídico, tinha um propósito: assaltar um ônibus e, obviamente, roubar os passageiros; naturalmente estava armado, porque já estava no mundo do crime, usando drogas e disposto a tudo: matar e morrer, segundo ele mesmo declarou;
Ao ser descoberto pela polícia, que recebeu aviso do assalto, Sandro viu o seu plano frustrado, e, com cabeça cheia de droga, enlouqueceu de vez. Quem já leu sobre a dependência química das drogas, quem sabe o que se processa com a personalidade do doente em drogas, tem consciência plena de que os neurônios se entrechocam em descargas elétricas terríveis, transformando a cabeça do doente ou drogado, como queiram, num verdadeiro vulcão;
O trabalho da polícia, com o isolamento da área, tentativas de diálogo através de um aparelho celular que o assaltante jogou pela janela, pareciam inúteis e foram realmente inúteis. O criminoso, que não se sabia se estava acompanhado de outro marginal, torturou psicológica e fisicamente as vítimas durante várias horas. Fechou as portas do ônibus o que dificultava a ação da polícia e, o revólver engatilhado e encostado à cabeça de uma das vítimas, obstaculizava a ação de atiradores de elite. O assaltante mantinha permanentemente a arma na nuca e até mesmo na boca das vítimas. A tortura a que ele submeteu duas moças, demonstrava no seu rosto uma satisfação demoníaca. Quando Samdro desceu do ônibus com a arma “grudada” na cabeça da professora Geísa, surpreendendo a todos, senti, nesse momento exato, que ela estava condenada à morte. Quem realmente matou Geísa foi Sandro. Estava, assim, selado o destino de uma professora que saiu de sua terra natal dizendo a amigos e familiares que um dia eles iriam vê-la na televisão como uma pessoa importante;
A maneira como a professora Geísa enfrentou a situação, escrevendo com o batom no vidro do ônibus o que o assaltante queria, num português correto, demonstrou o seu heroísmo e ela já apareceu como uma pessoa extraordinária, com muita calma e decisão. Não se é importante apenas por aparecer na televisão, jornais etc. (no caso, de uma maneira trágica);
Você, Geísa, professora primária, ensinando crianças carentes de um morro do Rio de Janeiro, já era importante e tinha mais notoriedade que milhares e milhares pessoas que detêm, momentaneamente, cargos ditos de relevo. Você, Geísa, como um sem-número de educadores, são pessoas importantes em qualquer país civilizado, porque, em realidade, são os educadores que desenvolvem uma nação, psicológica, social e economicamente falando. São os educadores que devem merecer o maior respeito da sociedade, e você irá fazer falta, porque será um soldado a menos nesse batalhão heroico que luta para desenvolver um país-continente contra o analfabetismo, a ignorância, a marginalidade e a violência.
Conclusão: Estamos de luto, sua família, eu, a sociedade brasileira, o Brasil inteiro. Aliás, vivemos de luto por todos os inocentes brutalmente assassinados; pela dívida social do país, pela corrupção que corrói as entranhas da nação qual um câncer em metástase.
Enfim: vivemos de luto, pela falta de qualidade de vida em que estamos mergulhados!
(O artigo se refere ao trágico incidente ocorrido no dia 10 de junho do ano 2000).